Publicado por: miwi | março 18, 2009

Todo Software Tem Seu Preço

Não existe algo como um software completamente "gratuito". Chama-se de gratuito aquele programa que não cobra de seu usuário final nenhum tipo de taxa, mas é óbvio que ele possui custos – para seus desenvolvedores, que gastaram tempo nele e, em alguns casos, para a empresa que financia o projeto. Algumas vezes temos – e mais comumente em projetos web – projetos "freemium", que não cobram nada por funcionalidades básicas e se sustentam pelos "add-ons", suporte especial, etc.

Até aqui, digo apenas o óbvio – mas o óbvio que é muitas vezes esquecido e distorcido nas mais diversas matérias sobre "software livre". Digo isso apenas para levá-los ao próximo passo: software livre não é o comunismo do mundo dos computadores. Não é o nivelamento através do "todos devem ter o que todos podem ter". HÁ uma ideologia, uma filosofia, muito forte na comunidade do software livre, e que é interpretada das mais diversas maneiras por diferentes grupos. Assim como existe uma ideologia muito forte no mundo do software fechado, mas que não chama tanto a atenção por não ser tão utópica.

Não é apenas o "software livre", mas todo o movimento que vem ganhando força no campo do software: é a democracia do software. Software livre implica em liberdade de escolha, de modificações. Os adeptos do software livre adoram falar em liberdade, mas muitas vezes se esquecem que essa liberdade pode implicar em uma escolha diferente da sua – uma pessoa que escolhe Windows pode ser tão livre quanto uma que escolhe Linux. A diferença está na consciência da escolha: enquanto as pessoas usarem Windows simplesmente porque é o que veio na máquina, a única liberdade que elas estarão usando é a de se acomodarem no mais simples.

O que as pessoas ignoram – ou escolhem ignorar – quando travam infindáveis argumentos de "software de código fechado é ruim!", "windows é melhor que linux!" e etc, é que nenhuma dessas questões é tão relevante quanto a democracia propiciada pelo software livre. E nem só pelo software livre, mas por softwares gratuitos, de baixo custo, pelo software "on the cloud".

Há cerca de 20 anos, software era algo caro, e com pouquissimas opções de escolha. Muitos necessidades não eram atendidas por mais do que meia dúzia – ou nem isso – de programas. Nenhum deles se adapta? São muito caros para o seu orçamento? Azar o seu, porque você simplesmente não tinha opções.

Baby Tux

Por que eu uso Linux? Ah, é que o Tux é tão fofinho, poxa…

Recentemente o Meiobit postou sobre uma comparação de perfomance entre o Photoshop e o Gimp – na realidade, era mais uma comparação do Photoshop em diversas super-máquinas, e eles aproveitaram para testar o Gimp também – e na qual o Gimp perdeu. E digo não apenas perdeu no sentido de "nesse mês o Nintendo DS vendeu menos do que o PSP", mas no sentido de que "o WonderSwam vendeu menos em toda a sua vida do que o Game Boy Advance vendeu em um mês". E, sinceramente, alguém se surpreendeu com isso? Sim, o software livre vem avançando bastante, e em algumas áreas já possui competidores que estão no topo do podium, como no caso clássico do Firefox. Mas nós estamos falando do Adobe Photoshop, que custa cerca de 700 dólares sozinho ou 1700 dólares em um pacote com outros softwares da Adobe. Eles não cobram tudo isso apenas pelo nome bacana, mas por conta de toda uma equipe muito bem paga que trabalha para melhorar continuamente seus programas – e eles não podem parar, porque se eles não lançarem mais atualizações, bom, como eles irão arrecadar fundos, não é mesmo?

O que eu não entendo é que a partir disso se estenda uma guerra sagrada – de um lado, os defensores do Gimp, que se recusam a aceitar que o Gimp não, não está no mesmo nível do Photoshop, e do outro lado, os anti-software-livre, "meu deus, é grátis, deve ser ruim…".

Softwares livres como o Gimp, ou mesmo alternativas web de editores de imagens não tem a pretensão de desbancar o Photoshop. A questão é… não faz muitos anos que a ÚNICA opção existente era o Photoshop. Que outro programa de edição de imagens você conhecia? O Paint? E então existiam os profissionais da área, que possuem máquinas super-poderoas e múltiplos monitores de muitas polegadas e que pagavam os 700 dólares de um Photoshop… e existiam os seus priminhos, aquela tia que trabalha com imagens, aquele seu amigo que queria editar uma foto da formatura… que usavam cópias pirateadas do Photoshop. Ou que pagavam os olhos do cara para alguém abrir um arquivo no Photoshop e fazer meia dúzia de modificações simples.

Agora essas pessoas tem a opção de um programa leve, gratuito, e que pode fazer muitas das coisas que antes eram feitas apenas no Photoshop. Eu já usei Photoshop pirata e atualmente uso o Gimp. Não sinto falta de nada do Photoshop no Gimp – claro, sou uma usuária "banana" nessa área, sou completamente incapaz de entender metade das opções disponíveis nesses programas. Mas eu consigo redimensionar, balancear cores e contraste, e fazer algumas montagens simples usando camadas e efeitos de camadas. Para mim, e muitos dos usuários comuns, o Gimp é plenamente suficiente.

Outro exemplo? O BrOffice em relação ao Microsoft Office. Sempre tiveram muito mais opções do que eu jamais irei usar, ambos os programas. Uso o BrOffice e nunca, nunca pensei "ah, isso tem no MS Office e não tem aqui", mesmo tendo usado o MS Office por mais de 10 anos. A mesma comparação vale para o Inkscape x Illustrator, Thunderbird x Outlook.

É claro que você pode decidir pagar 700 dólares no Photoshop se irá usá-lo profissionalmente, ou comprar o pacote Office da Microsoft se ele tiver algo que os outros não possuam, ou pagar a licença do Windows se os programas da sua empresa rodarem apenas em Windows, por exemplo (se bem que, nesse caso, dava para tentar testar com o Wine, não é mesmo?), assim como pode escolher comprar o Maya ao invés de baixar o Blender, e comprar o Adobe Premire Pro ao invés de… ao invés de tentar descobrir alguma alternativa gratuita viável para edição de vídeo (ainda não conheço nenhuma, adoraria que o cinelerra fosse menos zoado, poderia ser uma opção interessante). Mas, aí está a diferença: é uma opção, e não uma imposição feita pela pura falta de escolha.

Você quer um sistema operacional? Você pode pagar pelo Windows, pode pagar por um servidor Red Hat ou Solaris, ou pode usar uma distribuição gratuita, como o Ubuntu, OpenSUSE, Slackware e OpenSolaris.

Você tem uma necessidade especifica X? Você pode procurar em sites como o Freshmeat e ver se existe algum que se adapte ao que você precise.

Freshmeat Logo

A democracia vem não apenas pelo código aberto, mas também pela gratuidade de muitos programas, que possibilitam o acesso a certas funções para pessoas que não teriam como pagar uma licença na casa das centenas de dólares, e também pelos programas que hoje em dia são encontrados nas "nuvens": você pode editar documentos com o Google, pode editar algumas imagens, pode até mesmo programar uma aplicação deixando toda a preocupação com processamento para o servidor. Isso possibilita que pessoas que não podem baixar arquivos ou que não possuem boas máquinas em termos de RAM, processamento ou HD, que usufruam de certas coisas.

Internet e democracia devem andar juntas: ontem a divulgação de informações era quase que totalmente restrita aos grandes meios, hoje muitas informações "quentes" podem ser encontradas nos mais diversos blogs. Isso não quer dizer que a grande mídia vá sumir, ou que ela seja maligna – embora em certos casos ela seja -, mas que hoje em dia é possível escolher da onde você quer suas informações. Quem você quer ouvir, quando, e como. Você pode encontrar um blog que transmita notícias de um jeito mais despojado e mais alinhado com o seu jeito de pensar, o que talvez fosse inconcebível na grande mídia, onde tudo ser pensando "na maioria", porque a minoria não dá dinheiro.

Mas democracia não é sinônimo de "grátis", ou "sem esforços". Muitos pseudo-adeptos-do-software-livre o são apenas por adorarem poder baixar programas gratuitos sem sentirem qualquer peso na consciência. Algumas pessoas tratam o software livre como tratam software pirateado – como algo legal para se baixar rápido, sem esforços, e sem preocupação. Alguns chegam a chiar se algum "software livre" é pago.

Se lançassem um "Gimp Pro", com muitas melhores e com uma interface muito melhor planejada, por 100 dólares, quantos comprariam? Por melhor que esse programa estivesse? Poucos parariam para pensar que esses 100 dólares estariam sendo usados para organizar uma equipe bem coordenada e fazer um desenvolvimento de software completo, com maiores investimentos nas partes de usabilidade e perfomance. Não. A maioria pensaria "porcos malditos, ficaram gananciosos, eu não pago pelo Firefox, porque iria pagar pelo Gimp"?

Mas alguém paga pelo Firefox. Alguém paga pelo Ubuntu. E são os softwares que mais possuem investimento por trás que costumam se destacar – claro, softwares não se fazem sozinhos, e nem sempre você vai conseguir que um programador vire noites atrás de uma solução ótima para um problema de perfomance no programa… de graça. Já não são tantas pessoas dispostas a fazer trabalho voluntário, e menos pessoas ainda estão dispostas a se sacrificarem por causa desse trabalho voluntário. E sem receber nada em troca, porque muitas vezes o reconhecimento dessas pessoas é ínfimo.

Então, lembrem-se: não existe software de graça. Não se concentre nessa palavrinha maldita na próxima vez em que você pensar nas razões pelas quais software livre é legal. OK, você pode baixar de graça, mas se lembre que alguém gastou algo para fazê-lo, em termos de dinheiro e de tempo. Se você achou um projeto underground que te quebrou um tremendo galho, porque não mandar um e-mail para o desenvolvedor? Fazer um tutorial? Ajudar na documentação? Divulgar para seus conhecidos?

Pensem nisso. 🙂


Respostas

  1. Nossa. Não dá para tirar nem por uma palavra, excelente texto.

  2. Acho que é bom lembrar que a venda direta é apenas um dos canais por onde se paga pelo produto. Veja o caso do Java. Gratuito, mas existem certificações e cursos que estão muito longe de serem de graça.

    Outro exemplo? Que tal o Perfect World? Você baixa e joga de graça, mas logo percebe que pode pagar por amuletos, por dinheiro do jogo, por roupas legais, etc…

    Como você falou, não existe software produzido de graça. E se alguém paga a conta, o dinheiro tem de vir de algum lugar. Seja de financiamento próprio (como os games indies) ou seja de formas indiretas de comercialização.

  3. Ótimo texto 🙂

  4. Opa meu primeiro comentário !
    Parabéns pelo post ! Muito bem escrito !

    Abraços, Rafael Venancio

  5. Parabens!
    Visito esse blog há algum tempo e acredito que essa seja a primeira(ou segunda) vez que comento, mas posso dizer sem sombra de duvidas que esse é um dos primeiros comentários de elogio que eu faço sem nenhuma pontinha de obrigação.
    O artigo realmente está muito bem escrito, e deixa muito claro que sempre existe alguem por traz do projeto que teve que dar o sangue pra fazer ele se concretizar.
    Parbens mesmo pelo artigo e vou espalhar o link por ai.

  6. Só um comentário sobre o custo de desenvolviento do soiftware livre, uma de suas grandes vantagens é permitir que esse custo seja dividido de forma desburocratizada entre todos os interessados, independente de serem empresas ou indivíduos.
    Tomando como exemplo o kernel do Linux, por exemplo, vemos entre os contribuidores empresariais Red Hat, Novell, IBM, Intel, SGI, Oracle, MontaVista, Google, HP, Cisco, Fujitsu, etc. Todos no final das contas dividindo os custos para viabilizar um grande produto, sem a necessidade de acordos formais de colaboração. Mesmo tomando por base a empresa que mais colabora com o desenvolvimento do Linux (a Red Hat, que de 2005 a 2008 representou 11,2% do esforço de desenvolvimento), ainda assim ela recebeu por conta do método aberto de desenvolvimento melhorias que representam um custo mais de sete vezes superior ao que ela mesmo investiu.


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